A vida do meu filho valeu uma moto, as pernas do outro um celular; diz mãe de Taboão após tragédia com filho gêmeos

Por Sandra Pereira | 16/04/2013

A violência marcou de forma trágica, desumana e cruel a vida da família taboanense que mora no nº 237 da  Rua Isabel Soria Mainardes, no jardim Maria Helena. Na casa humilde erguida com o trabalho duro da família dona Analice Ferreira, 43 anos, ainda luta para suportar a dor de perder o filho Douglas Ferreira, 25 anos, vítima de assaltantes na porta do Hospital Geral do Pirajuçara, na sexta-feira, 12, relembre o caso aqui. A dor indescritível que ela carrega se mistura com a indignação de constatar que a vida do filho nada valeu para seus assassinos, assim como para aos que ela acusa de omissão de socorro.

Dona Ana carrega no peito uma chaga aberta desde o dia 30 de setembro de 2010, quando o outro filho, Eduardo Ferreira, 25, irmão gêmeo de Douglas, foi baleado pelas costas por assaltantes na rua da casa deles. O rapaz entregou o celular aos criminosos, mas, mesmo assim foi alvejado por eles com dois tiros nas costas. Eduardo sobreviveu, mas perdeu os movimentos das pernas, tornando-se cadeirante. A mãe diz que os médicos dizem que o jovem não vai mais andar.

“Fico pensando quanto valeu a vida do meu filho? O valor de uma moto, que qualquer um que trabalha honestamente pode ter. Quanto valeu o meu outro filho, que segundo os médicos, não vai andar mais? R$ 1.200,00 o valor do celular dele. Hoje a violência é tanta que você não pode ter nada. O pior é que eles não têm e não querem que os outros tenham também”, diz ela, que trabalha como doméstica em Moema e todos os dias acorda as 4h50 pega ônibus lotado e vai trabalhar.

Os dois filhos de dona Ana costumavam brincar que mesmo gêmeos um era mais velho que o outro. Douglas nasceu no dia 14 e Eduardo pouco mais de uma hora depois quando já era dia 15. A mãe conta que os dois sempre foram diferentes. Douglas gostava de motos e motores em geral enquanto o irmão prefere computadores. Ela diz que os dois sempre trabalharam e se ressente do fato de ambos terem sido vítima de cruéis assaltantes motoqueiros, que não se contentaram apenas em roubar.

“Meu filho estava  praticamente na porta de casa combinando uma excursão à praia com uma amiga. Naquele dia o Eduardo chegou cedo do trabalho, jogou bola, e depois ficou aqui na rua quando os dois caras na moto levaram o celular dele e ainda atiraram. Foram dois tiros. Um atingiu a medula. Eu estava em casa quando ouvi o barulho. Foi o Preto (Douglas) que entrou gritando que o irmão tinha levado um tiro”, relembra. 

Sobre a morte do filho Douglas a indignação da mãe dos gêmeos é ainda maior. O rapaz cheio de vida e sonhos partiu sem tempo ao menos de se despedir. A despeito da dor Analice diz que não pensa em vingança para os criminosos que tiraram sem piedade a vida de Douglas aos 25 anos de idade. Ela admite não se conformar com o fato de saber que o rapaz estava no chão quando foi atingido pelos três tiros. “Eles podiam ter pegado a moto quando ele caiu e ido embora. Não precisava dar três tiros nele”, afirma. 

Ela conta que no dia da morte do filho Douglas acordou às 4h50 como de costume e foi para o ponto de ônibus, no São Judas. Estava na fila quando o telefone celular tocou.  Era a namorada dele avisando que o rapaz tinha levado um tiro.

“Saí da fila e entrei no Osasco, desci poucos minutos depois no ponto do HGP. Meu filho estava caído na porta, o olho parado. Comecei a pedir ajuda as pessoas que estavam lá. Cada um pegou de um lado parecendo que meu filho era um saco de lixo. Entramos no hospital eles pegaram meu filho e disseram: agora é com a gente. Teve um segurança que tentou impedir a gente de entrar, mas nós empurramos ele”.


Para a mãe de Douglas é difícil aceitar a demora para socorrer o rapaz. Ela também reclamou da demora na liberação do corpo, que só ocorreu após o delegado se dirigir ao hospital. Dona Ana disse que a polícia pediu cópia das imagens das câmeras de segurança do HGP. Contou que várias pessoas viram o filho sendo alvejado e nenhuma delas ajudou a levá-lo para dentro do hospital imediatamente após o fato. Admitiu a dor provocada pela falta de solidariedade.

“Não sei de quem tenho mais raiva: dos criminosos que balearam o meu filho ou do hospital que demorou a socorrer a ele. Disseram que tinha que chamar o SAMU. Se tivessem socorrido rápido sei que ele estaria vivo. Pra mim não foram os tiros que matou meu filho, foi a demora do socorro. Se tivessem socorrido logo eu acho que ele estaria vivo, numa UTI lutando pela vida”, desabafa.

Agora dona Ana quer lutar para impedir que outras mães passem pelo sofrimento que a família enfrenta. “Quero que alguém, alguma autoridade escute a nossa voz e mude essa regra de que o hospital não pode socorrer uma pessoa que é baleada na porta. Vou procurar gente que entende de lei e ir atrás disso”, garante. Ela evita falar em indenização, mas diz que pretende lutar pelos direitos da família e relata que a polícia vai investigar a omissão de socorro.

Mas, engana-se quem pensa que a família de dona Ana é triste ou revoltada. Na casa dela o conforto vem da palavra de Deus. É nela que a família busca forças para seguir em frente. Quem os visita percebe o tamanho da fé deles e a força.

“Sei que nada vai trazer o meu filho de volta. Eu não tenho essa ilusão. Nada é mais triste do que isso, mas Deus está conosco, nos confortando, nos fortalecendo e ajudando a seguir em frente”, diz como que para si mesma.

Dona Analice Ferreira teve quatro filhos. Os gêmeos Douglas e Eduardo e outros dois rapazes. Um deles ela diz que perdeu para as drogas e agora cumpre pena num presídio. O outro estuda e trabalha. “Fizemos tudo para tirar o meu filho das drogas, mas ele não quis. Os outros são trabalhadores, assim como eu e meu marido. Não é porque é preto que tem que ser bandido”, finaliza.

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