Tônia do Embu dá continuidade à arte do mestre Sakai

Por Assessoria de Imprensa | 4/12/2012

Tônia do Embu lembra-se com detalhes o dia em que sua vida deu uma virada e ela nunca mais foi a mesma. Foi em 1959, no dia 30 de janeiro, quando ela tinha nove anos de idade. Tônia estava brincando com o pai e, num movimento brusco, torceu o dedo. A mãe olhou o machucado e recomendou que ela fosse falar com o vizinho, o Sakai, japonês massagista que morava a menos de uma quadra de sua casa. Tônia obedeceu e, o encontro que teve com Sakai, 53 anos atrás, mudou completamente o seu destino.

“Quando entrei no ateliê dele, fiquei fascinada, absolutamente fascinada”, relembra. “Não falei do machucado no dedo, que era insignificante perto de tudo que eu estava vendo ali. Era um ateliê cheio de esculturas e a sala estava cheia de pinturas de artistas famosos na parede. O quintal era um quintal bem no estilo brasileiro, cheio de mato, árvores, flores, tudo misturado. Embaixo, nos recantos do quintal, ele colocava as esculturas. Fiquei fascinada.” 

O encanto da criança não passou despercebido para Sakai, que perguntou se ela queria aprender a fazer esculturas de barro. “Eu disse 'quero' e nunca mais parei de fazer, nunca mais fiz outra coisa”, recorda. A partir daquele momento, a menina Antônia Aparecida Gonzaga, filha do oleiro Zé Gonzaga e de dona Alexandrina, começou a se transformar na famosa e aclamada escultora Tônia do Embu.

Tônia tornou-se a primeira aluna das centenas de jovens artistas que aprenderam a modelar com Sakai do Embu (1914-1981), um dos maiores terracotistas do país. Porém, ao contrário dos demais colegas, ela não se limitou a tomar aulas com o mestre, passando a ter por ele uma reverência de discípula. Segundo Tônia, Sakai tinha uma facilidade para modelar impressionante, a ponto de “colocar alma nas obras”. 

Japonês estabelecido no Brasil desde 1928, e em Embu desde 1930, Tadakiyo Sakai, assim como a mulher, dona Sizuka, falava mal o português. Para aprender melhor, pedia a Tônia que lesse para ele durante uma hora por dia. Essas leituras marcaram profundamente a formação artística de Tônia, que também assimilou do mestre o gosto pela cultura popular: a obra de Sakai do Embu é marcada pela fusão de elementos japoneses com as culturas indígena, católica e cabocla;  Tônia gosta de moldar personagens folclóricos e lendários – e seus trabalhos têm, sempre, a marca da denúncia e da observação social. 

A leitura de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, influenciou definitivamente a posição política, o estilo e a obra de Tônia, famosa por modelar retirantes.  “Sempre fui de esquerda. Na época da ditadura, sofri muito porque vários amigos foram assassinados”, revela.

Fiel às lições do mestre, Tônia sempre trabalhou com o barro. “Já fundi algumas obras em bronze, mas a matriz é sempre a modelagem, sempre o barro, a terracota. O que eu faço é terracota, barro queimado”, explica. No seu processo produtivo ela primeiro faz uma maquete, em miniatura, para depois expandi-la.  

Em 1974, já com um estilo próprio, Tônia realiza o grande sonho de ir morar em Paris, França. Lá, fica cinco anos onde aperfeiçoa a técnica, dá aulas de modelagens, participa de exposições e faz amigos que cultiva até hoje. Em 1979, ao saber que Sakai estava muito doente, decide voltar ao Brasil. Nessa época casa-se e abre, junto com algumas amigas, um ateliê em São Paulo; e sua obra ganha projeção nacional. Tônia, que acabara de voltar da França, onde conviveu com socialistas de todos os matizes, lembra desses período como uma época difícil, politicamente. “O Maluf era governador de São Paulo e as coisas não iam bem”, recorda-se. Em 1981, morre Sakai e no ano seguinte ela perde a mãe. Abatida, decide voltar a Embu em 1983.

Aos poucos, ela retoma as aulas com a intenção de formar novos artistas e seguir a tradição ensinada por Sakai, Assis do Embu, Solano Trindade e outros artistas pioneiros de Embu, com quem conviveu na década de 60. “Os artistas de Embu sempre foram muito generosos, ensinando tudo o que sabiam para quem se interessasse”, diz. 

Em 2003, depois de passar três anos em Santa Fé do Sul (SP), onde formou novos artistas e difundiu a arte da modelagem, Tônia é convidada pela prefeitura de Embu para ser coordenadora do Memorial Sakai, função que exerce até hoje. No Memorial, ensina uma nova geração de artistas e repensa o que fazer daqui por diante. Sua obra, famosa pelos retirantes, índios, personagens da história do Brasil e figuras do folclore nacional, passa por um processo de transformação. Mas ela não arrisca dizer para que lado sua arte a levará. 

Texto: Eurico Ferreira Jr.


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